terça-feira, 22 de agosto de 2017

Quando a memória falha

Matéria escrita pela jornalista Juliana Bencke 

Era a tarde de segunda-feira, 14, quando uma equipe do setor de assinaturas da Folha do Mate avistou um idoso que caminhava pelo bairro Santa Tecla. Ele não sabia voltar para casa e também havia esquecido o nome dos familiares. O caso mobilizou meios de comunicação e a comunidade, por meio das redes sociais. Em pouco tempo, a família de José Dorival Jesus Ferreira, 90 anos, encontrou o idoso, que havia sido levado para o Albergue Municipal.
Com Alzheimer - doença degenerativa que leva à perda da memória -, seu José se recupera do susto na companhia da esposa, Maria Zerli Bandeira, 60 anos, no Condomínio Pôr do Sol, no bairro Aviação, onde o casal reside. Apesar da deficiência visual, é ela quem veste o marido, prepara as refeições e guia o companheiro, quando os dois saem para passear. "Dentro da minha casa. É como se eu enxergasse. Na rua, vou me guiando pelas quadras e também escuto muito bem", explica.
Depois do susto, ao se perder, no início da semana, seu José recebe o carinho e os cuidados redobrados da esposa Maria Zerli
De acordo com Maria Zerli, além do Alzheimer, a situação do marido é agravada pelo problema de audição - ele praticamente não escuta. "Ele não entendeu o que aconteceu no dia que se perdeu. Não sabe explicar", conta.
Por volta das 15h de segunda-feira, seu José saiu para ver a construção de alguns prédios, próximo ao condomínio onde mora, como fazia seguidamente. Cerca de uma hora depois, a esposa estranhou que ele ainda não tivesse voltado para tomar o café da tarde, que ela prepara, sempre, entre as 15h30min e as 16h. 
"Senti um desespero. Logo uma vizinha veio me dizer que viu no Facebook do jornal que ele estava perdido. Ainda tenho pesadelo com isso", diz Maria Zerli, que, agora, mantém a porta da casa fechada e a chave no bolso.
Paciência e cuidado
Apesar das dificuldades de comunicação, que têm piorado com a perda de memória e de audição de seu José, carinhosamente chamado de Nego, a relação do casal é permeada de atenção e cuidado. Já são 22 anos de união. "Antes, a gente ia no baile, dançava bastante", lembra Maria Zerli.
Agora, o principal divertimento são os momentos com os netos e a companhia um do outro, em casa. Seu José adora contar histórias - pedaços de memória, muitas vezes, sem conexão. Independentemente disso, Maria Zerli desdobra-se em paciência e amor. "Às vezes, preciso explicar 50 vezes a mesma coisa. O bom é que tenho vizinhos e duas filhas que ajudam muito."
Segundo o médico clínico geral Ben-Hur Moraes de Lima, a paciência e a dedicação dos familiares são fundamentais para lidar com pacientes com Alzheimer ou outras demências (perda de memória).
É importante não transparecer o estresse, pois isso causa no idoso o sentimento de que ele é um estorvo. É importante tentar mostrar que está tudo bem e entender que ele não está fingindo, ao perguntar ou repetir sempre a mesma coisa." Ben-Hur Moraes de Lima, clínico-geral. 
O profissional também lembra que não se pode deixar o idoso sozinho, em nenhum momento, e o ideal é mantê-lo no próprio ambiente, evitando a estadia em outras casas. "É importante que ele se mantenha no ambiente dele, no quarto dele, com as coisas dele. O sentimento de estranhamento que eles têm de estar em outros lugares é muito grande." 
Além disso, Lima ressalta que é fundamental ter uma rede familiar organizada para cuidar o idoso. "Não se pode centralizar tudo em uma pessoa só. Estudos mostram que, quem se responsabiliza pelo idoso, pode desenvolver um estado depressivo profundo, pois se frustra porque não consegue fazer com que ele melhore, porque sua vida está presa a esse cuidado."
Por trás do esquecimento: da falta de vitaminas aos microinfartos
Esquecer fatos recentes e lembrar apenas coisas antigas, repetir a mesma história muitas vezes e ter alterações de humor e comportamento estão entre os sinais de alerta da perda de memória. De acordo com o médico Ben-Hur Moraes de Lima, a estimativa é de que 3% das pessoas com até 70 anos tenham alguma demência (perda de memória) e, aos 85 anos, esse índice chegue a 30%. 
O profissional observa que o mal de Alzheimer é apenas uma das causas de demência - trata-se uma doença degenerativa, da qual não se sabe a causa e para a qual não há cura. Enquanto o Alzheimer é considerado uma demência de causa primária, na qual o cérebro vai atrofiando por conta da doença, também existem perdas de memória com causas secundárias. "Muitas vezes, as pessoas acham que não tem mais volta, mas em uma consulta médica e em exames, podem descobrir a causa para tratá-la", afirma.
Esse fatores reversíveis incluem desde alcoolismo, depressão, tumores e problemas na tireoide até falta de vitamina B12 e ácido fólico no organismo. "A deficiência de vitamina B12 causa um aumento na homocisteína, uma enzima que aumenta os riscos de infartos e Acidente Vascular Cerebral (AVC). Isso favorece os microinfartos no cérebro", exemplifica. Lima explica que microinfartos ocorrem ao longo da vida, sem que se note, e causam a morte dos neurônios.
Depois que é afetado, o tecido cerebral não se regenera. Por isso, é muito importante focar na medicina preventiva e tratar a hipertensão, o alcoolismo e a depressão." Ben-hur Moraes de Lima, clínico geral
O clínico geral esclarece que, somente depois de descartar todas as possibilidades de microinfartos ou causas secundárias para demência, é que se pode considerar que um paciente tem Alzheimer. Ele também lembra que um 'pouco de esquecimento' é normal em idosos, em função da idade. "À medida que envelhecemos, a massa cerebral vai ficando menor." Uma das formas de identificar se, realmente, há uma perda da capacidade cognitiva é o Miniexame de Estado Mental, realizado em consultas médicas.
Dicas de prevenção
- Não fumar e não beber;
- Praticar exercícios físicos, pois aumentam a oxigenação do cérebro e diminuem a chance de ter microinfartos cerebrais
- Ter uma alimentação balanceada e consumir frutas cítricas. Elas são antioxidantes e ajudam a 'barrar' as enzimas que oxidam as células nervosas.
- Manter os índices de glicemia ('açúcar no sangue') e pressão arterial equilibrados. A pressão não deve ultrapassar 140 x 90;
- Fazer consultas periódicas ao médico e exames de rotina;
- Praticar atividades que estimulam a memória, como leitura, palavras cruzadas e jogos de carta.
Miniexame do estado mental
Este teste avalia a orientação no tempo e no espaço, a memória, cálculo, linguagem, habilidades visuais e construtivas. A pontuação varia de zero a 30 pontos. Quanto melhor a pontuação, melhor o desempenho da pessoa. Como há influência da escolaridade, diferentes pontos de corte devem ser levados em conta: 19 para analfabetos, 23 para quem estudou de um a três anos, 24 para quem estudou de quatro a sete anos e 28 pontos para quem estudou mais de sete anos.
Orientação
Que dia da semana é hoje? (1) 
Que dia do mês é hoje? (1)
Qual o mês? (1)
Qual o ano? (1)
Qual a hora aproximada? (1)
Onde estamos (quarto, sala, garagem)? (1)
Onde estamos/instituição (casa, hospital)? (1)
Qual o bairro? (1)
Qual a cidade? (1)
Qual o estado? (1)
Memória imediata
Fale três palavras (carro, vaso e tijolo, por exemplo) e peça para a pessoa repetir (3 pontos, 1 por palavra)
Atenção e cálculo
Cálculo 100 - 7, cinco vezes sucessivamente: 100-7, 93-7, 86-7, 79-7, 72-7, 65 (5 pontos, 1 para cada cálculo correto)
Evocação
Pergunte pelas três palavras anteriores: carro, vaso e tijolo (3 pontos, 1 por palavra)
Linguagem
Aponte para dois objetos (um relógio e uma caneta, por exemplo) e peça para a pessoa dizer o nome (2 pontos, 1 por objeto)
Peça para repetir 'nem aqui, nem ali, nem lá' (1)
Oriente a pessoa a pegar um papel com a mão direita, dobrar ao meio e colocar no chão (3)
Peça para ler a seguinte frase e fazê-la: 'Feche os olhos' (1)
Peça para escrever uma frase (1)

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